Implicações socioespaciais da desindustrilização e da reestruturação do espaço em um fragmento da metrópole de São Paulo

Fabiana Valdoski Ribeiro

Resenha do livro: Implicações socioespaciais da desindustrialização e da reestruturação do espaço em um fragmento da metrópole de São Paulo - Rafael Faleiros de Pádua

As reflexões apresentadas na dissertação de mestrado intitulada “Implicações Sócioespaciais da Desindustrialização e da Reestruturação do Espaço em um Fragmento da Metrópole de São Paulo” nos instiga a pensar sobre a produção do espaço urbano na passagem da primazia do capital industrial para aquele do capital financeiro. Este trabalho ultrapassa os limites das análises estritamente econômicas que predominam nas reflexões que abordam a temática da desindustrialização em São Paulo e, constrói um caminho que incorpora as dimensões do político, econômico e social e as suas imbricadas articulações.

O autor no transcurso dos capítulos vai tecendo uma reflexão importante para compreendemos o processo da urbanização contemporânea em uma metrópole do mundo subdesenvolvido por meio da noção de fragmento. A partir do desenvolvimento desta noção, ele contribui com a possibilidade de apreender concretamente a tendência de fragmentação dos lugares da metrópole, que exprime a mesma tendência para a vida dos habitantes que nela residem. Esta fragmentação representa o empobrecimento da vida na cidade na medida em que há o esgarçamento do lugar como unidade de sociabilidade imediata.

Desse modo, nos põe a questão de como a cidade se fragmenta, não apenas em relação ao seu tecido urbano, mas, sobretudo, nas relações sociais construídas sob a égide do mundo industrial produzindo relações que dão conteúdo a uma vida cotidiana fragmentada e, que neste momento, se esvai com uma nova racionalidade advinda das novas relações impostas pela reprodução capitalista assentada no capital financeiro, resultando em uma desintegração da vida social presente no fragmento estudado. As relações produzidas no momento da industrialização em um fragmento cedem a desintegração pela saída da própria indústria, conforme porções da cidade se integram as recentes formas de valorização do espaço urbano. O fragmento também contém singularidades dentro da metrópole, pois a região de Santo Amaro, especificamente o bairro Várzea de Baixo, localiza-se na ponta sul do eixo de valorização sudoeste de São Paulo.

A tese se apóia na hipótese de que a expansão do eixo de valorização se realiza sobre áreas que se desindustrializam, impondo novas relações para a integração de porções da cidade como meio de reprodução de grandes capitais, mas ao mesmo tempo, se realiza desintegrando relações anteriormente constituídas. O foco da análise é a contradição integração/desintegração. Ao tomá-la à análise, põe em relevo o embate entre a lógica hegemônica para valorização do capital em conflito com as práticas sócioespaciais dos moradores da cidade. Esta contradição também se encontra vinculada ao movimento de saída da indústria da região de Santo Amaro com a desintegração de relações antes estabelecidas pelo próprio processo de industrialização, mas devido à liberação de um volume significativo de terrenos próximos ao eixo de valorização da metrópole promove a soma de condições para este espaço se integrar aos “novos” negócios que realizam com maior plenitude a valorização. Esta contradição retoma e revela o aprofundamento da fragmentação, das separações e da segregação necessária ao avanço do processo de valorização capitalista.

O primeiro capítulo apresenta um debate a respeito da desindustrialização e o significado da reestruturação produtiva, problematizando a idéia de autores. No segundo, elabora a reflexão através dos discursos dos empresários industriais e do Estado sobre o fenômeno da desindustrialização, que vão ratificar a idéia da produção da cidade enquanto mercadoria. O que predomina é o “pensamento único”, legitimado pela ideologia produtivista, transformando o Estado em mediador fundamental para realização do processo de valorização. O Estado se vale da lógica tecnocrática para amparar e instaurar estratégias para produção de ideologias. Estas idéias, que se realizam concretamente, exigem uma critica à economia política, pois “a economia política se torna cada vez mais uma ciência ligada à eficácia da produção das empresas”. Na esteira da reflexão crítica necessária, o autor revela o papel dos discursos que empreendem a lógica do gerenciamento do espaço da cidade, tratando-a como uma empresa e projetando lógicas espaciais sobre ela. Os discursos dos agentes hegemônicos aparecem como representação das necessidades de toda a sociedade e revela o espaço como fundamental para a reprodução capitalista. Em relação ao fragmento, os discursos que aparecem são os da melhoria da qualidade de vida na medida em que ao refuncionalizar a área, transforma-a em um objeto de interesse para os agentes da valorização.

O terceiro capítulo aponta as características e a nova dinâmica com o avanço dos recentes empreendimentos, que invadem o fragmento, modificando as relações espaços-temporais até então existentes. No último capítulo, o autor se aprofunda sobre o fragmento e as transformações implicadas com o processo de desindustrialização. Tenta revelar, por meio de um minucioso trabalho de campo, a fragmentação da vida cotidiana dos moradores. O fragmento torna-se também, a delimitação territorial do estudo, e é retomado em seu sentido de fragmentação da vida. Nesta toada, emerge a reflexão de que está noção está atrelada a um processo mais complexo e dialético de homogeneização/fragmentação/hierarquização do espaço urbano revelando a lógica da produção da cidade no mundo capitalista contemporâneo.

Por fim, as considerações finais expõem como este avanço da valorização, atado a idéia de moderno, varre as relações de sociabilidade na cidade. A morfologia espacial aponta as persistências e rupturas da paisagem e das relações sociais no momento em que o espaço urbano é produzido pela primazia do capital financeiro. O que se vislumbra é o empobrecimento da sociedade na medida em que se acentuam e avançam os processos segregatórios. A análise da modernidade possibilitaria verificar estes movimentos pelos quais a sociedade se produz.
Este trabalho abre a perspectiva da compreensão do sentido de cotidianidade, outra noção abordada pelo autor ao argumentar o conteúdo da fragmentação como uma forma de dominação da vida. Esta lógica produz o estranhamento do citadino diante á cidade, de acordo com a fragmentação imposta que impede a apropriação ou a coloca como prática residual e precária.