O movimento da economia financeira na dinâmica imobiliária de São Paulo

James Amorim Araújo

Resenha do livro: O movimento da economia financeira na dinâmica imobiliária de São Paulo - Sávio Augusto de Freitas Miele.

Esta resenha sumariza a dissertação de Sávio Augusto de Freitas Miele intitulada “O movimento da economia financeira na dinâmica imobiliária de São Paulo”. Este trabalho foi defendido em junho de 2007 junto ao Programa de Pós-graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo, tendo como orientadora a Profa. Dra. Ana Fani Alessandri Carlos.

Composta por três capítulos, a dissertação tem por objetivo central revelar como a produção de um fragmento da cidade de São Paulo se realiza através de inversões de capital financeiro no setor imobiliário. Para tanto, o autor elege como objeto de pesquisa e análise três empreendimentos imobiliários – três edifícios corporativos destinados a escritórios – construídos através de fundos de investimento imobiliário. Estes edifícios localizam-se na região sul/sudoeste da metrópole de São Paulo nas Avenidas Luiz Carlos Berrini e Faria Lima as quais se constituem em um desdobramento da centralidade da cidade a partir da Avenida Paulista.

O autor, na introdução do trabalho, busca circunscrever os conceitos geográficos que nortearão suas análises e considerações a respeito do objeto então estudado. Inicialmente e partindo de uma base Lefebvriana, são discutidos os conceitos de cidade e de urbano (espaço da reprodução social) onde se articulam os planos econômico, político e social. Consequentemente, o autor discute a urbanização da metrópole paulistana sempre sublinhando os conteúdos de fundo capitalista desse processo, por outro lado, Miele não se esquece de que a metrópole é uma mediação entre uma ordem distante, das relações mais gerais da sociedade, e uma ordem próxima, relacionada ao plano da vida cotidiana, portanto, na escala da metrópole, os conflitos entre estas duas ordens definem os contornos da reprodução do espaço. Finalmente, Miele trata do par dialético fragmento e totalidade – a porção do espaço urbano que é estudada articulada ao plano de reprodução espacial da metrópole – isto como condição necessária para poder aplicar a tríade Lefebvriana relacionada à morfologia da cidade – homogeneização/ fragmentação/hierarquização – para se pensar os conteúdos de ordem capitalista do espaço urbano e os processos de segregação sócio-espacial.

No primeiro capítulo desenvolve-se a análise da produção do espaço urbano através das estratégias de reprodução do capital. O mote para uma produção capitalista do espaço refere-se ao fato da valorização deste como condição para uma reprodução ampliada do capital, no caso específico, da fração de capital proveniente do setor financeiro. Entretanto, trata-se de uma produção espacial circunscrita a certas partes da cidade onde o processo de valorização ocorre com maior intensidade, reafirmando o valor de troca sobre o de uso. Nesta lógica o setor financeiro entende o espaço como uma mercadoria, um produto, o que permite o autor a refletir criticamente sobre a relação espaço e capital, pois, se de um lado, o espaço é uma condição para a reprodução ampliada do capital, por outro, ele atua como “barreira” para a sua reprodução. É a partir deste balizamento crítico que o autor analisa o fragmento sudoeste-sul da metrópole no qual ocorre a expansão empresarial proveniente da Avenida Paulista através da constituição de vários empreendimentos imobiliários de alto padrão de construção.

No segundo capítulo, o autor afina a análise da relação capital financeiro e capital imobiliário, focando especificamente na atuação dos fundos de investimentos imobiliários. Depreende o autor, após realizar entrevistas com os agentes financeiros, que os fundos são uma estratégia para a reprodução do capital que combinam a solidez do mercado imobiliário com a agilidade e liquidez do mercado financeiro. Conclui Miele que os capitais financeiro e imobiliário, apesar das convergências reprodutivas, são pares contraditórios porque se realizam de formas diferenciadas no tempo e o espaço – o primeiro buscando acelerar o tempo de giro do capital por meio de ações que aumentam a liquidez do segundo, por isso, os fundos de investimentos imobiliários buscam flexibilizar a propriedade privada à medida que transformam esta em uma abstração mercadológica ao fracionar os ativos imobiliários em cotas referentes a uma fração ideal do imóvel.

No terceiro e último capítulo é feita uma análise da abertura de capitais das maiores empresas empreendedoras do setor imobiliário na bolsa de valores de São Paulo realizada a partir do ano de 2006. Segundo o autor, tal abertura tem como objetivo a captação de recursos a baixo custo com vistas à ampliação do poderio das empresas para a incorporação, compra de terrenos e lançamentos imobiliários. Demonstra Miele que a participação do capital estrangeiro nessas empresas supera a casa dos 50%, o que aponta a internacionalização do setor imobiliário atuante na metrópole paulistana, contudo, a intensificação da participação do capital internacional neste setor indica horizontes de saturação, conhecidos no jargão mercadológico como “bolha financeira imobiliária”.

Conclui o autor que o entrelaçamento entre os capitais financeiro e imobiliário, em São Paulo, está produzindo uma “especialização da espacialização” expressa paisagem da metrópole pelo eixo empresarial sul/sudoeste. Miele também reitera que o capital financeiro age criticamente porque cria incessantemente novas estratégias de reprodução “coladas” ao setor imobiliário, com vistas à valorização dos investimentos realizados neste setor. Finalmente, para que tudo isso ocorra o espaço é uma condição e um meio à reprodução do capital quando articula os planos da localização ao da produção espacial da metrópole.

Com um trabalho denso e com uma hipótese bem demonstrada, através de procedimentos teórico-metodológicos convergentes, o autor conseguiu demonstrar como ocorre a produção de um fragmento do espaço da metrópole com a participação de uma fração do capital financeiro através dos fundos de investimentos imobiliários. Alcança, portanto, relevância acadêmica que justifica sua indicação como referência a trabalhos que se debruçam sobre mesma temática em diversas áreas de conhecimento.