A produção do espaço e as estratégias reprodutivas do capital: negócios imobiliários e financeiros em São Paulo

Danilo Volochko

Resenha do livro: Implicações socioespaciais da desindustrialização e da reestruturação do espaço em um fragmento da metrópole de São Paulo - Rafael Faleiros de Pádua
 

Em “A produção do espaço e as estratégias reprodutivas do capital: negócios imobiliários e financeiros em São Paulo”, resultado de sua pesquisa de mestrado, Danilo Volochko se propõe a investigar os nexos financeiros que, cada vez mais, estão presentes na constituição da espacialidade da metrópole paulistana. Seu recorte é o bairro do Panamby, eixo sudoeste da metrópole, cuja formação se deve, em grande parte, à atividade de um fundo de investimentos imobiliários dedicado à incorporação e venda dos terrenos do fragmento espacial. As contradições que emergem dessa produção financeira do espaço são evidenciadas ao longo do trabalho, algumas das quais podemos adiantar.

O surgimento do Panamby, fato recente na história da metrópole paulistana, resulta, em primeiro lugar, de um reordenamento da espacialidade de São Paulo que se orienta para a constituição de um eixo imobiliário-financeiro no sudoeste da metrópole, com a construção de empreendimentos de alto padrão (escritórios) que respondem às novas necessidades da acumulação de capital. A essa nova centralidade de escritórios correspondem novas centralidades de função residencial, mormente à medida que se verifica uma raridade de terrenos incorporáveis nas áreas mais tradicionais (Jardins, Moema, etc) que aponta para a necessidade de novas áreas de moradia de alto padrão. Na esteira dessa demanda por novos espaços residenciais, o Panamby nasce a partir da constituição do Fundo de Investimento Imobiliário Panamby, administrado pelo Banco Brascan S.A., cujo surgimento, como bem observa Volochko, assinala o advento de um novo momento da circulação do valor na propriedade do solo urbano, caracterizado por uma integração mais estreita entre as finanças e a propriedade imobiliária através dos Fundos de Investimento, dos Certificados de Recebíveis Imobiliários e do lançamento de ações em bolsa de valores por parte das principais incorporadoras. A fluidez que daí resulta permite vislumbrar uma nova etapa de transformação da propriedade imobiliária em um bem “mobiliário”, ainda que por ora trate-se de um fenômeno incipiente.
          
O desdobramento do projeto inicial de valorização do bairro não prosseguiu, todavia, sem obstáculos. Um primeiro obstáculo concerne às complexas relações entre os grupos econômicos e a esfera política, de onde se originam contradições que, em última análise, acabaram por se encaminhar em favor dos interesses econômicos hegemônicos. Esse sucesso inicial, contudo, não permitiu garantir o êxito completo do empreendimento. O autor sugere que, ainda que tenha havido uma valorização da área e que as maiores empresas do setor imobiliário tenham manifestado interesse por nela investir, certas evidências apontam para uma realização ainda incompleta das expectativas iniciais. Entre as razões para tanto, poderiam estar a ainda difícil acessibilidade ao local, a proximidade com áreas de favela e a distância que separa o Panamby das centralidades mais tradicionais da metrópole paulistana. Ainda assim, como bem observa o autor, essa realização parcial dos objetivos estabelecidos não significa um fracasso do empreendimento, sobretudo porque se trata de um processo inacabado.
          
O caso do Panamby e seu sucesso relativo fica mais bem evidenciado à medida que Volochko estende sua análise para abranger as estratégias imobiliárias empregadas pelos grupos econômicos de ponta do setor em estudo. Aqui fica patente o fato de que os principais grupos lançam mão de estratégias de diminuição de riscos que se orientam no sentido de uma diversificação dos investimentos no espaço metropolitano. Ao mesmo tempo, portanto, em que essas empresas produzem o Panamby enquanto uma nova fronteira de investimento, elas prosseguem investindo em regiões mais centrais, por mais que a raridade do espaço se constitua em uma barreira; ao mesmo tempo, portanto, em que vendem o “verde” e a “tranqüilidade” do Panamby, vendem o “agito” dos Jardins e do Higienópolis. É nesse sentido que deve ser entendido, também, o incipiente interesse das incorporadoras em expandir o mercado residencial para estratos de renda mais baixos do que até então, sobretudo com a melhoria das condições de financiamento. É assim que esses grupos criam uma “blindagem” contra a desvalorização de seu capital e vão produzindo a metrópole como um campo de possibilidades de negócio.Longe de esgotar a complexa problemática sobre a qual se debruçou, a investigação levada a cabo por Danilo Volochko revela solidez e profundidade ao conseguir apreender as determinações mais globais que se escondem por detrás da materialidade crua (homogeneizada) dos espaços produzidos para a elite econômica paulistana. Seu maior mérito residiria, talvez, na maneira como consegue entrever, por trás de uma produção lógico-abstrata do espaço urbano, as estratégias que se desdobram e as contradições que, inevitavelmente, brotam desse processo, trazendo subsídios, portanto, para uma melhor compreensão da produção contemporânea do espaço urbano de São Paulo e deste novo momento de articulação entre o capital financeiro e o capital imobiliário.