Estratégias, conflitos e negociações: produção social do espaço e segregação

SILACC 2010 – Simpósio Ibero Americano Cidade e Cultura: novas
espacialidades e territorialidades urbanas
 

Resumo
A produção do espaço urbano em um fragmento da metrópole de São Paulo se realiza através de
investimentos do capital financeiro (ou por parte dessa fração de capital) no setor imobiliário. Trata-se
de inversões do capital financeiro em empresas incorporadoras e construtoras e em seus projetos
que ao se realizarem produzem um novo espaço na metrópole. São analisados nesta pesquisa três
Fundos de Investimentos Imobiliários e as grandes empresas empreendedoras imobiliárias que
abriram capital na bolsa de valores, como forma de financiamento para projetos imobiliários. Torna-se
fundamental compreender os sujeitos aí envolvidos e suas estratégias à luz da valorização do
espaço. Entretanto, observamos em nossa pesquisa sobre o movimento da economia financeira na
dinâmica imobiliária em São Paulo, que a produção material do espaço traz em si algo que a nega.
Em que medida o próprio espaço, que é condição e meio para o processo, colocaria barreira para
esse processo de financeirização do imobiliário e do capital financeiro se realizando através da
produção do espaço? Esta questão então possui uma dimensão teórica e prática. Teórica porque ela
traz a negatividade do processo e prática porque o próprio espaço elemento central para que o
processo aqui em evidência se realize, torna-se barreira, limite a ser superado. Encontramo-nos
diante de uma contradição do espaço. Mas também, o processo de construção e consolidação da
nova centralidade de negócios de São Paulo ao mesmo tempo motor e reflexo de dinamismo é fator
de diferenciação e segregação sócioespacial.
Palavras-chave: Espaço urbano, mercado imobiliário, financeirização, segregação, São Paulo
1- Introdução
O processo de urbanização da metrópole de São Paulo se realiza aprofundando contradições num
momento em que as determinações econômicas se colocam como fundamentais na produção da
cidade como negócio, evidenciando a centralidade da propriedade privada da terra na produção do
espaço urbano e na conformação da metrópole paulistana. A reflexão sobre o momento atual por que
passa a urbanização da metrópole de São Paulo e o conteúdo deste processo, que a partir do
momento em que deixa de ser induzido pela industrialização e passa a ser o indutor das práticas do
homem1, passa a ser um processo revelador da própria vida do homem na cidade, como produtor de
seu espaço e de sua existência. O processo de urbanização pode revelar, no plano espacial, as
estratégias de reprodução do espaço, do capital e da vida na cidade. A complexidade do processo de
(re)produção do espaço urbano nos revela novos processos e sujeitos sociais que surgem no
constante movimento de reprodução espacial.
Neste contexto, o processo de urbanização da metrópole paulistana parece se concretizar ao passo
que ganha novas formas e novos conteúdos relacionados ao capitalismo contemporâneo, marcado,
de modo geral, por uma reestruturação produtiva na indústria e uma financeirização da economia.
Entretanto temos consciência de que é no processo produtivo que acontece a extração do excedente
(condição da acumulação) e a produção da riqueza no modo de produção capitalista, porém
comandado por um sistema financeiro cada vez mais presente, que passa a ser elemento central na
reprodução das relações de produção. As finanças passam de produto a produtoras de relações
sociais, abrindo caminho para sua primazia econômica. Encontramo-nos frente a uma contradição: as
categorias do capital em crise ainda o reproduzem socialmente, porém não dão mais conta do
processo em sua totalidade, pois a reprodução do ciclo do capital exige novas condições de
realização.
O que sustenta objetivamente a reflexão teórica aqui empreendida é a realidade urbana da metrópole
de São Paulo, pois sua urbanização contém processos reais e concretos que efetivamente
encontram-se articulados aos nexos de reprodução capitalista mais profundos e atuais (nexos da
realização do valor) que possuem a potência de transformar a prática sócio-espacial, revelando o
plano da vida na metrópole. Neste sentido, a metrópole aparece como mediação entre duas
instâncias: as relações mais gerais da sociedade e as relações sociais tecidas no plano da vida
cotidiana.
1Processo analisado por Henri Lefebvre no Capítulo I da obra “O direito à cidade”.
A problemática levantada neste trabalho está articulada à integração entre o financeiro e o imobiliário
no processo de produção do espaço urbano no movimento crescente de financeirização do setor
imobiliário e de uma reestruturação imobiliária. Partimos da hipótese de que a partir desta relação
entre circuitos financeiros e o setor imobiliário, a produção do espaço surge como condição para a
realização do capital financeiro aplicado no setor imobiliário. A produção do espaço se torna condição
para a reprodução do capital, sobretudo de sua fração financeira. Não se trata da descoberta do setor
imobiliário e a grande quantidade de capital de que este setor da economia necessita e sua relação
direta com a (re)produção do espaço urbano, mas de sua financeirização, que surge hoje como
elemento importante para a reprodução da esfera financeira do capital tendo como condição e meio o
espaço tornado mercadoria e como produto a metrópole contemporânea, que possui como uma de
suas características a articulação com o plano do mundial. Partindo desta idéia, observamos que a
produção do espaço urbano, bem como o desenvolvimento do mercado imobiliário possui limites,
expressos pelas contradições internas ao processo de produção capitalista do espaço. Além disso,
tanto o mercado imobiliário como o processo de reprodução espacial se realizam por
empreendimento de estratégias, pela busca de uma lógica e racionalidade que são rompidas, pois o
próprio processo aqui em questão pode se tornar barreira para sua reprodução. Assim, no
desenvolvimento do trabalho, no sentido de buscar respostas às questões iniciais, alcançamos a idéia
de que o processo de produção do espaço como condição para realização de diversos capitais, bem
como de sua valorização traz algo que o nega, mas uma negatividade interna ao processo que
aparece como possibilidade de expansão do processo produzindo novas contradições, superando
outras.
Foi através da análise de um fragmento da metrópole de São Paulo – o eixo econômico financeiro e
de serviços que se expande do centro em direção ao sudoeste/sul da metrópole (conhecido também
como vetor sudoeste) – que observamos a constituição de um mercado imobiliário destinado a
edifícios de escritórios corporativos que se constitui com a união de grupos econômicos da metrópole
e o Estado, com a presença cada vez maior de investimentos do capital financeiro nos negócios
imobiliários. Foram analisados na pesquisa três empreendimentos corporativos destinados a
escritórios construídos através da constituição de Fundos de Investimento Imobiliário, sendo eles o
Fundo Financial Center de Investimento Imobiliário (tendo como empreendedor a Brazil Realty e
como administrador o Unibanco), o Fundo de Investimento Imobiliário Torre Norte (uma das três
torres do Complexo Empresarial Nações Unidas, que foi estruturado pela Brazilian Mortgages e
administrado pelo banco Ourinvest) e o Fundo de Investimento Imobiliário Continental Square Faria
Lima (estruturado e administrado pela Unitas), localizados no eixo empresarial da metrópole; e as
grades empresas empreendedoras imobiliárias que abriram capital na bolsa de valores como forma
de financiamento para projetos imobiliários – ampliando aqui a análise sobre o imobiliário residencial.
O ponto de partida para análise foi a dimensão econômica e política que está no bojo deste processo.
Aprofundar essas dimensões não significa desprezar o plano do social. Muito pelo contrário. O plano
do social aparece, teórico e praticamente como um desafio desta análise. Por se tratar de uma região
em processo de valorização desde os anos 1970, existe um processo contínuo de compra – venda –
desapropriação – expulsão de moradores, inclusive expulsão de favelas. O Jardim Panorama, uma
favela localizada na região desde os anos 60 é nosso ponto de partida pra discussão de um processo
segregador, que evidencia os conflitos, os usos da terra urbana, bem como a propriedade privada.
2- A produção do espaço em São Paulo na perspectiva de constituição de um mercado
imobiliário crítico
Vivemos um momento em que a produção do espaço se realiza em parte por meio de diversas
estratégias da reprodução capitalista. A racionalidade capitalista, cada vez mais, está presente na
produção do espaço urbano, fazendo com que este se torne uma mercadoria específica. Este
movimento fica claro através do fato de que o espaço é vendido e trocado; essa condição dada ao
espaço torna todo o espaço da cidade intercambiável. Outra questão é o espaço posto nos nexos da
reprodução do capital, quando do processo de sua valorização.
A produção do espaço e sua valorização parecem agora serem condições para a valorização de
capitais do setor financeiro da economia aplicados no setor imobiliário, evidenciando um movimento
entre a mundialização financeira (o processo produtivo no capitalismo comandado por um sistema
financeiro, elemento importante na reprodução das relações de produção) e sua relação com a
produção do espaço urbano. Harvey2 afirma que “a reprodução de configurações espaciais pode ser
tratada ... como um momento ativo dentro da dinâmica temporal global de acumulação e reprodução
do capital ...”
Desta forma, a produção atual do espaço pode ser entendida como um processo implicado na
reprodução de capitais, além de caminhar na direção de se tornar condição da realização mais veloz
dos ciclos dos diversos capitais.
É neste sentido que surgem os novos espaços e os novos produtos imobiliários na metrópole,
entretanto, ambos não são produzidos na totalidade do tecido urbano metropolitano, pois seguem
uma lógica de produção segundo estratégias de valorização que selecionam/hierarquizam regiões da
2 HARVEY, D., 1984.
metrópole para concentrar investimentos, revelando a seletividade espacial dos capitais, que
imprimem na paisagem sua lógica, produzindo a hierarquização dos lugares.
O espaço atualmente possui como um de seus atributos o seu consumo produtivo. É dizer que a
produção do espaço faz parte das novas estratégias de acumulação de frações de capital articulando
vários setores da economia. Damos destaque à articulação entre o capital financeiro (de grandes,
médios e pequenos investidores), o capital industrial, principalmente a indústria da construção civil e
as frações de capitais que compõem o setor imobiliário.
Entendemos que a ponta financeira do processo bem como a estruturação dos fundos de
investimento imobiliário e das aberturas de capital realizadas pelas empresas empreendedoras
imobiliárias traz no processo de seu desenvolvimento contradições. Em que medida o próprio espaço,
que é condição e meio para o processo, colocaria barreira para esse processo de financeirização do
imobiliário e do capital financeiro se realizando através da produção do espaço? Esta questão possui
uma dimensão teórica e prática. Teórica porque ela traz a negatividade do processo e prática porque
o próprio espaço elemento central para que o processo aqui em evidência se realize, se torna
barreira, limite a ser superado. Também nos encontramos diante de uma contradição do espaço.
Como o espaço se torna barreira para a sua própria produção? A partir do pressuposto de que o
espaço se torna mercadoria é que podemos iniciar uma reflexão que não se quer pronta e acabada.
Quando pensamos no mercado de edifícios comerciais de alto padrão que necessitam da
centralidade econômica e política dada pela expansão do eixo econômico, financeiro e de serviços
mais avançados nos encontramos diante da raridade do espaço, isto é, como o setor de serviços
mais sofisticados só pode se realizar neste fragmento específico da cidade de São Paulo há cada vez
mais um número menor de terrenos disponíveis para a construção desses empreendimentos;
portanto o espaço se torna raro, além de valioso. Refletindo a respeito da produção imobiliária
residencial, observamos que a aquisição de terrenos passa a ser fundamental, mas não no sentido de
realizar um grande estoque, mas sim no sentido de aplicar o capital em futuras incorporações
(compra-se a terra e o mais rápido possível se constrói).
O desenvolvimento do capitalismo e a realização do capital possuem uma qualidade interna que
podemos dizer que se trata de uma reprodução crítica. Este raciocínio está atrelado à idéia de que o
processo de realização do capital traz como imanente sua negatividade (a negatividade do capital)- a
dimensão da crise. A diferença neste raciocínio é o de que não se trata de uma simples negatividade.
Mas como escreve Grespan3, se trata de uma negatividade inerente, interna aos “processos que o
capital realiza como manifestação de uma contradição constitutiva do capital”. Não se trata de
3 GRESPAN, J.,1999, p.27.
oposição. No processo de sua realização o capital ao conter em si a dimensão da crise enquanto
negatividade também expressa o momento de crise enquanto “crítica” que o próprio capital expõe ao
seu processo de realização. Este momento é composto pela exposição de suas contradições num
movimento de reposição, superação e o surgimento de novas contradições. Assim escreve Grespan:
“...apreendida como expressão da negatividade imanente ao capital, a crise está na base da crítica ao
capitalismo, conforme um significado especificamente marxiano de ‘crítica’: não se trata de uma
reflexão exterior que aponta os limites desse sistema, e sim dos limites alcançados por ele mesmo
com o desenvolvimento de suas potencialidades e com a exposição de suas contradições
fundamentais nos processos que ele realiza”.4
O objetivo desta discussão é o de trazer para o debate a idéia da existência de uma negatividade do
capital nos termos acima expostos, e como a realização do capital por meio do processo de produção
do espaço urbano nos coloca diante dos limites do capital e também dos limites da produção do
espaço sob o capitalismo.
Ao considerarmos o espaço como elemento central na reprodução das relações de produção, temos
conhecimento de que, como afirmamos anteriormente, a produção do espaço pode ser vista como um
processo implicado na reprodução dos capitais. De forma geral, estamos diante da migração de
capitais entre setores da economia que serão aplicados na produção do espaço em dois planos3.
Primeiramente na construção de obras de infra-estrutura para a circulação de capitais e mercadorias,
o que Harvey chama de “ajuste espacial” e o investimento no setor imobiliário, preocupação que
move nossa investigação.
Ao tratar da temática “ajuste espacial”, Harvey5 aponta uma tendência interna dos nexos de
realização do capitalismo- a superacumulação; o que vai exigir, segundo o autor, uma re-ordenação
espacial do capitalismo. Essa superacumulação, produto da tendência expansionista do capitalismo,
presente nos nexos de reprodução deste modo de produção, se caracteriza por um momento em que
há uma soma de capitais a serem investidos e que não encontra essa possibilidade nos circuitos de
valorização do capital, não podendo gerar lucratividade. Daí o risco à desvalorização, pois o capital,
como escreveu Marx, é circulante e necessita de participar dos circuitos de valorização do valor para
se realizar enquanto capital. A desvalorização do capital aponta a não existência dele enquanto tal. O
ajuste espacial se trata então de uma aplicação desses investimentos de outras formas e em outros
lugares, tais como na produção do espaço; como escrevemos acima, na produção de infra-estruturas
no espaço. Este mecanismo pode amenizar ou atrasar os problemas relativos à tendência a
4 Ibid, p.28.
5 HARVEY, D. 1984 e 2004.
sobreacumulação. Entretanto, quando o investimento é realizado em grandes obras de infra-estrutura
o capital se imobiliza em capital fixado ao solo, sendo mais demorado o tempo de rotação dos
capitais aí investidos. Mas frente ao problema da superacumulação e da desvalorização este capital
pode ser assim aplicado mesmo correndo-se o riso dele não se realizar como valor. Este movimento
se articula à idéia da crise, já exposta. Assim afirma Harvey: “... a teoria da superacumulação e da
desvalorização revela o intenso poder destrutivo existente sob a fachada do capitalismo relativa ao
progresso tecnológico e à racionalidade do mercado. No decurso da crise, grandes quantidades de
capital são desvalorizadas e destruídas, os trabalhadores e sua força de trabalho sofrem um destino
semelhante, e os capitalistas canibalizam e liquidam uns aos outros, na ‘guerra de todos contra
todos’, o derradeiro sinal do modo de produção capitalista”. 6
Os investimentos no mercado imobiliário também caminham na direção de fuga dessa
desvalorização. Porém, a dinâmica deste mercado, seus investidores e as estratégias de quem o
dirige revelam outra relação entre a imobilidade do imobiliário e a mobilidade do capital e sua
importância para a economia capitalista atual.
Lefebvre aponta a migração de capitais acumulado no setor produtivo industrial para o setor
imobiliário e aponta que “o papel do imobiliário ... ainda é mal conhecido e mal situado nos
mecanismos gerais da economia capitalista”. Escreve o Autor: “...O imobiliário como se diz,
desempenha o papel de um segundo setor, de circuito paralelo ao da produção industrial voltada para
o mercado dos ‘bens’ não-duráveis ou menos duráveis que os ‘imóveis’. Esse segundo setor absorve
os choques. Em caso de depressão para ele afluem os capitais. Eles começam com lucros fabulosos,
mas logo se enterram. Nesse setor, os efeitos ‘multiplicadores’ são débeis: poucas atividades são
induzidas. O capital imobiliza-se no imobiliário. A economia geral (dita nacional) logo sofre com isso.
Contudo, o papel desse setor não deixa de crescer. Na medida em que o circuito principal, o da
produção corrente dos bens ‘mobiliários’, arrefece seu impulso, os capitais serão investidos no
segundo setor, o imobiliário. Pode até acontecer que a especulação fundiária se transforme na fonte
principal, o lugar quase que exclusivo de ‘formação do capital’, isto é, de realização da mais-valia.
Enquanto a parte da mais-valia global formada e realizada na indústria decresce, aumenta a parte da
mais-valia formada e realizada na especulação e pela construção imobiliária. O segundo suplanta o
principal. De contingente, torna-se essencial...”7
No processo de financeirização da economia é importante destacar aqui dois momentos: os fluxos de
capitais dos setores produtivos para o setor financeiro e a aplicação desses capitais no setor no
6 HARVEY, D., 2005, p.156.
7 LEFEBVRE, H., 1999, p.146-147.
imobiliário. Kurz8 escreve um texto afirmando que os investimentos financeiros no imobiliário seriam
uma segunda bolha financeira, porém a nomeia de financeira imobiliária que tem por papel adiar a
crise. Com a financeirização da economia a migração de capitais para o setor imobiliário torna-se
uma aposta, uma especulação, mas a partir deste processo quantias significativas de capital são
investidos no setor imobiliário, como possibilidade de sua realização.
Segundo Carlos, “o momento atual sinaliza, portanto, uma transformação no modo como o capital
financeiro se realiza na metrópole atual; a passagem da aplicação do dinheiro acumulado do setor
produtivo industrial ao setor imobiliário. Assim, a mercadoria-espaço mudou de sentido com a
mudança da orientação das aplicações financeiras, que produz o espaço como produto imobiliário...”9
As idéias centrais do fragmento acima citado sobre o imobiliário como segundo setor da economia
que absorve os choques do desenvolvimento do capitalismo é ponto de partida para o que pensamos
ser o novo, o diferente no processo, pois há novos conteúdos de acordo com o momento da
reprodução geral do capitalismo. O que este processo nos aponta é que o solo urbano não aparece
mais somente como reserva de valor (principalmente em momentos de crise da indústria), mas cada
vez mais como investimento possível de gerar de mais valor, implicado em estratégias que tornam a
produção do espaço um setor produtivo, ou seja, passa a ser condição da acumulação e o setor
imobiliário ganha importância central, principalmente quando se concretizam estratégias que dão
mobilidade potencial aos capitais. Os investidores financeiros (pessoas físicas, jurídicas, sendo
nacionais ou estrangeiros) apostam no imobiliário como possibilidade de realização de seus capitais.
Este processo se desenvolve no movimento de generalização da forma mercadoria que põe o espaço
enquanto tal, fazendo com que cada vez mais o espaço faça parte dos circuitos de valorização. O que
aparece como novo neste processo é que a valorização do espaço e sua produção hoje se dão em
uma nova dinâmica econômica: a realização do capital financeiro; a produção do espaço ganha cada
vez mais importância no sentido de garantir a reprodução das relações de produção.
Assim podemos afirmar que este processo não é linear e que inserido na reprodução geral da
sociedade sob o capitalismo está propenso aos momentos críticos da realização do capital. Desta
forma, não podemos entender essa migração de capital entre setores da economia, principalmente a
relação entre o financeiro e o imobiliário sem levar em conta os “obstáculos à reprodução do capital
no setor imobiliário”10 e a própria produção do espaço como barreira a sua realização.
8 KURZ, R., 2003.
9 CARLOS, A., 2004, p.52.
10 BOTELHO, A., 2005, p.44.
A partir de nosso trabalho de investigação entendemos aqui como obstáculos a propriedade privada
da terra, a valorização do solo urbano e a raridade do espaço. De acordo com Botelho11, a
propriedade privada do solo urbano já é uma barreira à livre entrada de capitais no setor de
construção. A propriedade privada do solo, elemento central para a reprodução capitalista torna-se
impeditiva para a produção do espaço. Outro ponto abordado pelo autor é que o setor da construção
tem que dispor de um volume considerável de recursos para adquirir terras para a produção
imobiliária – o que vai limitar as opções de construção encarecendo o produto final, o que pode
comprometer a demanda. Dessa forma, o financiamento da produção se torna um obstáculo, pois é
preciso a existência de um capital autônomo que financie o processo de produção, cobrando juros do
produtor. Tais juros são pagos por parte da mais-valia gerada no interior do processo de construção,
aumentando o preço do produto final.
A valorização do espaço pode surgir como um limite no sentido de concentrar uma boa infra-estrutura
e possuir maior preço fazendo com que a lucratividade dos empreendedores seja menor. Em relação
à valorização do espaço e o preço do solo Carlos afirma que: “o processo de formação do preço da
terra, como manifestação do valor das parcelas, leva em conta desde processos cíclicos da
conjuntura nacional (que incluem a forma de manifestação de processos econômicos mundiais) até
aspectos políticos e sociais específicos de determinado lugar. Todos esses fatores vinculam-se ao
processo de desenvolvimento urbano, que, ao se realizar, redefine a divisão espacial, e com isso o
valor das parcelas. Este valor será determinado em função do conjunto ao qual pertencem, e é nesta
inter-relação entre o todo e a parte que ocorre o processo de valorização real ou potencial de cada
parcela do espaço”.12
Outro elemento importante como limite a produção do espaço e também limite à realização do capital
no setor imobiliário é a existência da raridade do espaço que articula a existência da propriedade
privada da terra e a valorização capitalista do espaço numa conjunção entre espaços construídos e
de espaços “vazios” (ambos de propriedade de alguém). Escreve Lefebvre que “...o alto preço
alcançado pelos espaços ocupados e a escassez, cada dia maior, dos espaços ainda por ocupar
constitui um fenômeno recente cujas conseqüências são cada vez mais graves”.13
É importante observar que a idéia de localização está presente no raciocínio empreendido a respeito
da raridade do espaço. Articulado a idéia de localização está a idéia de caro, uma associação ao
preço, expressão do valor do solo urbano. Sobre a raridade do espaço escreve Carlos: “no momento
atual do processo histórico, a reprodução espacial, com a generalização da urbanização, produz uma
11 Ibid.
12 CARLOS, A.,1994, p.171.
13 LEFEBVRE, H., 1976, p.39.
nova contradição: aquela que se refere à diferença entre a antiga possibilidade de ocupar áreas como
lugares de expansão da mancha urbana (com o parcelamento de antigas chácaras ou fazendas, caso
de muitos bairros na metrópole) e sua presente impossibilidade diante da escassez. Nesse processo,
o espaço, na condição de valor, entra no circuito da troca geral da sociedade (produção / repartição /
distribuição), fazendo parte da produção da riqueza e constituindo raridade. ... o espaço produzido
socialmente – e tornado mercadoria no processo histórico – é apropriado privativamente, criando
limites a sua própria reprodução (em função da produção de sua própria escassez). Nesse momento
o espaço produto da reprodução da sociedade, entra em contradição com as necessidades do
desenvolvimento do próprio capital. Isso significa que a “raridade” é produto do próprio processo de
produção do espaço, ao mesmo que sua limitação”.14
Outra dificuldade enfrentada pelo mercado imobiliário, segundo Lefebvre15, é a luta contra a lenta
obsolescência dos produtos imobiliários e a lenta rotação do capital no setor imobiliário. Somente a
construção constante de novos empreendimentos não é suficiente, esse processo, também segundo
o Autor é a autodestruição dos espaços produzidos.
Estamos diante do fato de que vivemos um momento no qual, do ponto de vista do capitalismo
contemporâneo, em tempos de acumulação flexível, a redução do tempo de rotação de capitais exige
uma maior velocidade e dinamismo tanto no sistema produtivo, quanto no sistema de circulação de
capitais e mercadorias, tomando de assalto o plano da gestão e coordenação do capital. Durante o
momento de reestruturação produtiva, acumulação flexível, exigia-se uma mobilidade cada vez maior
do capital. O investimento do capital na terra poderia revelar que o capital necessitaria se imobilizar
para a realização do mais valor. No ciclo do capital há um momento que o capital sai da circulação e
passa mais lentamente pelo processo de produção. O ciclo do capital, na produção industrial, mostra
que momento de produção na fábrica é um momento que vai diminuir a velocidade do ciclo. A
reestruturação produtiva busca conferir uma mobilidade cada vez maior ao processo industrial como
um todo. Como vivemos um movimento de passagem de uma economia industrial para a primazia do
capital financeiro, este capital tem que se realizar em algum lugar. Hoje é na terra que o capital
financeiro vem investindo como possibilidade de, através da produção do espaço, por meio dos
agentes do mercado imobiliário e do Estado, realizar o mais valor. Assim, é aplicando na terra e nas
empresas imobiliárias que os investidores terão possibilidade de ter seu capital aumentado. No
entanto, a mobilidade almejada e conquistada com a reestruturação produtiva tem que ser criada no
mercado imobiliário. Então fundos de investimento imobiliários (FII), certificado de recebíveis
imobiliários, abertura de capital em bolsa de valores, são criados e utilizados para trazer mais
14 CARLOS, A., 2001, p.22.
15 LEFEBVRE, H., 1976, p.102.
mobilidade aos capitais investidos no setor imobiliário. Trata-se então de investimento de base
imobiliária. Desta formas temos que a indústria corre paralela a isso, com exceção da indústria da
construção civil. É o mesmo sentido da idéia de Lefebvre quando afirma que a urbanização passa a
ser indutora dos processos sociais e não mais a industrialização, ou seja, a urbanização se realiza
com conteúdos que tendem a se autonomizar da industrialização. Os investimentos no setor
imobiliário não são mais fugas de crise no processo industrial, mas surgem como investimentos de
capitais. O que está posto é a contradição mobilidade e imobilidade, agora mediada pelos
investimentos no solo urbano e nos investimentos de base imobiliária.
Retomamos aqui um dos pontos centrais, o par contraditório mobilidade e imobilidade. A articulação
entre a base imobiliária dada pelo imóvel (o setor imobiliário) e a mobilidade do mercado de capitais
revela duas frações de capital que se realizam de formas diferenciadas no tempo e no espaço. A
primeira fração é capital imobilizado no solo urbano e a segunda possui uma liberdade possível de se
mover (por se tratar do mercado mobiliário). É justamente essa aproximação, criando essa interface,
que vai procurar oferecer à fração de capital imóvel uma mobilidade possível. A diferenciação
espaço-temporal de realização desses capitais surge como elemento de análise, porque observamos
que o mercado de capitais possibilita que o tempo de rotação dos capitais aí aplicados seja menor;
por outro lado a dimensão espacial está posta para a primeira fração pelo motivo de estarmos nos
referindo ao capital imobilizado no solo urbano, num determinado lugar da cidade, que não se sabe
ao certo o tempo de retorno do capital investido, e a ligação deste processo ao processo de
valorização imobiliária e valorização do espaço. Ambas frações revelam também um movimento entre
a imaterialidade do processo e sua materialização. A finalidade é a valorização do capital que se
imobiliza momentaneamente (num circuito de rotação potencialmente menor) para produzir mais
capital. E ainda se deve refletir sobre esta articulação no sentido em que estamos frente à diferentes
sujeitos sociais – na economia e na política – tanto é que nos deparamos com o Estado, com bancos,
com investidores, com instituições financeiras (como a Bovespa), com sindicatos (como o Secovi),
com empresas e empresários do ramo imobiliário e da construção civil. (É interessante observar que
a todo tempo os sujeitos empreendedores do instrumento FII procuram mudar o perfil do investidor de
imóveis, como temos observado nos trechos de entrevistas aqui expostos, no sentido dele se tornar
também um investidor do mercado de capitais).
Estes obstáculos ou limites possuem uma centralidade essencial, principalmente no movimento do
pensamento que aqui se constitui através deste estudo. Trata-se de um momento no qual,
definitivamente, entendemos a negatividade do capital inerente a sua realização e que também está
presente no processo de produção capitalista do espaço, no sentido do espaço se tornar lugar da
reprodução das relações de produção. Sob o capitalismo, a produção do espaço também possui, no
movimento de seu desenvolvimento, momentos de crises imanentes a esse processo, pois as
contradições da sociedade dominada pelas relações capitalistas de produção são integrantes do
processo de produção espacial imerso na reprodução geral da sociedade. O processo guarda em si
uma cisão / separação fundamental: a produção do espaço e o uso social deste espaço mediado pelo
mercado de terras / mercado imobiliário e que ainda está permeado os interesses do Estado e do
capital.
A partir disso, o mercado imobiliário desenvolvido nas condições específicas e expressando as
contradições do modo de produção capitalista aparece como um mercado imobiliário crítico.
Entretanto, Retomamos aqui num outro patamar a idéia da reprodução crítica do capital e a crise
inerente a sua realização. Mesmo se reproduzindo criticamente, esses momentos críticos são
possibilidades da expansão do próprio capital. Na realidade, se trata de um momento em que pode
ocorrer uma diminuição do ritmo da atividade imobiliária ou uma superação que abre caminhos para a
sua reprodução. O que é necessário para racionalidade do capital é sua permanência no processo de
produção e sendo investido para sua realização enquanto capital. O que está posto são as
superações das contradições e o surgimento de outras e não soluções dos problemas gerados na
reprodução capitalista.
Aqui deixamos em aberto algumas possibilidades. Pode acontecer uma expansão da construção para
as regiões mais periféricas, lugar onde o preço da terra é mais baixo; imobilização de grande
quantidade de capital realizando um estoque de terreno, mas esta é uma opção que pode frear o
processo do capital. As empresas construtoras e empreendedoras imobiliárias que abriram capital na
bolsa estão utilizando dessa estratégia, porém não parece que estão formando estoque de terra, pois
como estão capitalizadas podem construir, “mas para quem?”, aí entra a questão da demanda, que
se não for suficiente, o caminho da desvalorização está aberto. Outra possibilidade é produzir menos
nas áreas mais valorizadas da cidade, que são os lugares de maiores infra-estrutura.
Nossa preocupação está voltada para compreender este processo através do estudo das estratégias
utilizadas pelas empresas imobiliárias que abriram capital na bolsa de valores na realização de seus
empreendimentos em São Paulo. Este processo específico abre caminhos para esta discussão. O
papel da terra, que já possui uma importância ímpar na formação da sociedade brasileira, ganha cada
vez mais importância na produção da cidade. O solo urbano passa a possuir uma centralidade
acentuada, pois é através dele e do processo de sua reprodução espacial que frações de capital
financeiro e industrial vão se realizar na metrópole contemporânea. São negócios com a terra urbana
que vão garantir a realização dos capitais aplicados na compra de ações das empresas imobiliárias.
A abertura de ações em bolsa de valores traz a possibilidade destas empresas aumentarem seu
capital e estarem prontas para novos investimentos no setor imobiliário. Esses pequenos capitais
estão se valorizando, mas enfrentando a todo momento a situação crítica do capitalismo mundial, que
em termos de acumulação encontra-se em uma crise que se estende desde os anos 70. Trata-se de
um processo de captação de recursos a baixo custo para a realização de incorporação, compra de
terrenos e lançamentos imobiliários bem como aquisição de outras empresas deste ramo que sejam
proprietárias de terrenos e que detenham empreendimentos já lançados no mercado que interessem
a esses grandes empreendedores. Um exemplo desse tipo de transação de compra de empresas
imobiliárias é a empresa Company que adquiriu as empresas DRV12 Bauinia e DRV10. Tais
empresas eram de uma incorporadora, a Redev que é do grupo C&A, que resolveu vendê-las. Do
ponto de vista da empresa compradora, os atrativos são que os empreendimentos já estavam com
terreno aprovado, alguns deles já em venda, ou seja, compra-se algo já em andando por preço
razoável no mercado. Isso significa que se antecipa o crescimento da empresa, ao invés de comprar
só um terreno para por na prateleira para aprovar, para lançar, se compra algo em andamento ou
pronta. Outra estratégia utilizada é a aquisição de participação majoritária (51%) em loteamentos de
outras empresas. Novamente a empresa Company, realizou esta transação com a Real Park
Participações e Investimentos Ltda., na qual adquiriu 04 lotementos.
É importante destacar que o montante de capital absorvido por essas empresas não são utilizadas
para a construção de novos empreendimentos. A construção ainda continua sendo financiada pelo
Sistema Financeiro da Habitação (SFH). A captação de recursos através de vendas de ações em
bolsa aumenta o patrimônio da empresa e permite também que seu crescimento e lucro cresçam
consideravelmente, o que permite que ela consiga mais dinheiro junto ao SFH para realizar a
construção dos empreendimentos imobiliários. Assim, a grande aplicação desses recursos é em
compra de terrenos, incorporações imobiliárias e lançamentos e outras formas de investimentos.
Os investimentos estrangeiros são responsáveis por comprar mais de 50% das ações emitidas na
bolsa pelas companhias em questão. Segundo Tolosa16, a maior parte dos investidores que
compraram ações dessas empresas são investidores estrangeiros. Elemento que reforçar nossa idéia
de internacionalização do setor imobiliário em São Paulo.
Para o debate, trazemos um depoimento de Belleza17 sobre esse tema: “Está se criando uma super
liquidez neste mercado o que vai fazer com que a produção imobiliária aumente uma barbaridade e
causa alguns efeitos bastante interessantes, como por exemplo, uma das coisas fundamentais é
16 Diretor da empresa Company S.A.; em entrevista realizada pelo autor.
17 Sérgio Belleza Filho da Coinvalores – corretora de valores; em entrevista realizada pelo autor.
terreno, terreno virou ouro em pó. O que adianta se você tem muito dinheiro e não tem onde
construir? Quem está bem posicionado com terreno, isso é fundamental. Está muito mais fácil
arrumar capital do que arrumar terreno, aposto com você. Dinheiro todo mundo pode ter, terreno nem
todo mundo tem”.
Observamos que especificamente o mercado de edifícios corporativos e edifícios residenciais
possuem especificidades em sua construção e realização na cidade. Os edifícios de escritórios, bem
como o setor hoteleiro e flats não podem se localizar fora da expansão do eixo empresarial de São
Paulo (são atividades que dependem dessa centralidade); são empreendimentos que dependem
muito mais da conjuntura econômica, de ciclos econômicos, refletindo no valor da terra, do aluguel,
na taxa de vacância no mercado. Portanto, havendo a necessidade de concentração espacial desses
empreendimentos no fragmento aqui em questão, há uma maior escassez para sua construção. De
forma um pouco diferente, o setor imobiliário voltado para empreendimentos residenciais, ou seja,
moradia, não depende desta localização estrita, ele pode se realizar em vários lugares da metrópole
(mas não em qualquer lugar), principalmente com empresas muito capitalizadas a oferta de terrenos
se torna mais ampla. Então as empresas passam a produzir nos municípios da grande São Paulo e
também do interior (em cidades mais próximas da região metropolitana). Assim ao procurarem
diversificar seus investimentos diversificam os empreendimentos, ou seja, em bairros nobres
trabalham com construções de edifícios residenciais de alto padrão que oferecem um valor de vendas
global mais alto e em loteamentos mais distantes podem trabalhar com a construção de edifícios e
condomínios em maior quantidade, mais baratos e com valor de venda global menor, mas
compensador financeiramente.
Desta forma, afirmamos que são estratégias diferentes que o mercado de edifícios comerciais utiliza
com relação ao mercado residencial, além do que o residencial está muito mais próximo do valor se
uso que os imóveis podem oferecer e o comercial muito mais ligado ao valor de troca. Porém ambos
estão imersos na lógica da acumulação capitalista. Esse mecanismo de financiamento ao setor
imobiliário vem se tornando uma saída para as grandes empresas empreendedoras imobiliárias para
atrair recursos para o desenvolvimento de seus negócios. Entretanto, a busca intensa a esse
mecanismo pode trazer um saturamento ao setor, o que indica um caminho no sentido da crise.
3- A segregação para além dos números
O processo que procuramos desvendar no contexto da produção do espaço urbano da metrópole de
São Paulo é um momento de sua urbanização hoje. Temos ciência da forma como esse processo,
que possui sua tônica dominante na economia com intensa presença do Estado, domina a cidade e o
urbano nos colocando frente a imensos desafios teóricos e práticos quando refletimos a dimensão do
social e da vida cotidiana. Porém, mais que discutir o processo imobiliário nos planos do econômico e
político é discuti-lo no plano do social e debater o lugar do processo imobiliário na reprodução
capitalista hoje e a produção do espaço urbano quando estes vão se encontrar com populações de
favelas que “impedem” sua reprodução. Estamos diante dos espaços desintegrados que serão
integrados a esse processo de valorização espacial, mas os seus habitantes vivem uma situação de
constante mobilidade na cidade e de desintegração a esse universo. A retirada de parte dos
moradores de uma favela localizada no bairro Morumbi as beiras da Marginal Pinheiros, o Jardim
Panorama, que por ocupar um terreno tido como particular da construtora JHSF (que abriu capital na
bolsa de valores), teve uma de suas partes destruídas, após oa moradores serem obrigados a
aceitarem 40 mil reais, depois da ameaça de que se não aceitassem o dinheiro as casas e barracos
seriam demolidos da mesma forma. Hoje a favela vive entre as incertezas desses empreendedores e
as políticas públicas de urbanização de favelas e regularização fundiária. Corre-se o risco de um
movimento interno à comunidade contra o shopping ser cooptado, pois estão sendo recrutados para
trabalharam no empreendimento, que também presta serviços filantrópicos na favela. O que se
realiza é um processo de expulsão – resistência – cooptação. Até que ponto a cooptação resolveria
ou velaria as articulações desse grupo de habitantes contra a destruição de seu lugar na metrópole?
Desta forma, além de localizar o processo de financeirização do imobiliário na reprodução capitalista
buscamos ao articulá-lo com a produção social do espaço revelar as estratégias de realização das
empresas, bem como as estratégias de reprodução da vida desses habitantes na metrópole frente a
construção do empreendimento imobiliário, o Parque Cidade Jardim18. Trata-se de momento que
revela praticamente o conflito entre o uso e a troca e as estratégias de permanência no lugar por
parte dos citadinos e as estratégias de uma empresa imobiliária no cenário da constituição de um
mercado imobiliário crítico.
As tentivas reais e já concretizadas de retirada de moredores das favelas desta região revela que
está em jogo a vida de uma parcela dos habitantes da cidade que vivem de forma violenta as
negatividades do processo de financeirização do imobiliário. Encontramo-nos diante de um desafio de
crítica a um processo que solapa a vida desses habitantes e os expulsam para as regiões mais
longínquas da periferia, ao mesmo tempo em que essas ações viabiliza acumulação por meio da
produção do espaço urbano.
A produção do espaço urbano neste fragmento da metrópole, o eixo empresarial, é marcado por um
contínuo processo de construção/desconstrução/reconstrução do espaço e do que o conforma para a
18 O Parque Cidade Jardim reúne nove edifícios residenciais, com apartamentos de 237 a 1.807m2 de área privativa, um
centro comercial, um hotel Fasano e o Shopping Cidade Jardim.
constante relocalização de atividades econômicas na metrópole que acaba por destruir bairros
constituídos e retiram favelas que nesses espaços foram construídas para que os indesejáveis, o sujo
e o feio deixem os lugares mais valorizados da cidade ou lugares de valorização futura para
reconstruírem suas vidas, “sabe-se lá como”, a quilômetros de distâncias dali, seja num conjunto
habitacional precário ou mesmo em outras favelas em áreas de mananciais da cidade. No limite, para
os sujeitos que se aliam para a construção desses espaços, os habitantes e a realização de suas
vidas não os interessam. Este processo ocorre com a união / aliança dos interesses do Estado e de
uma elite que detém o poder econômico na cidade. Este processo aprofunda as negatividades do
urbano, que são vividas no cotidiano da metrópole como constrangimentos e estranhamento. A
produção do espaço nas áreas mais valorizadas da cidade denota a constituição de grupos que se
aliam para garantirem a reprodução de seus capitais e de seu poder através da produção do espaço.
Do ponto de vista de nossa análise, a relação global-local ganha potência ao realizarmos uma
articulação entre ordem próxima e ordem distante. Os planos global-local, pela mediação da
metrópole, sinalizam outra contradição importante: integração/desintegração dos lugares na
metrópole em relação à sociedade global - econômica, política e social. Na metrópole há lugares cuja
lógica, usos e funções se ligam diretamente às necessidades de uma divisão espacial do trabalho
articulada e definida no plano global em contradição com os lugares em desintegração diante desta
lógica decorrente e decorrente dela. De um lado, a metrópole concentra uma grande proporção da
riqueza nacional que produz a “cidade dos negócios”, onde os espaços tornados produtivos
referenciam a produção do valor. Nesta dimensão, as ligações da metrópole ao processo de
mundialização acontecem pelo movimento dialético entre integração de São Paulo ao capitalismo
internacional - centralização financeira, com o crescimento do setor bancário e dos serviços
modernos - e a desintegração do modo de vida tradicional, da organização do trabalho, das relações
de vizinhança; pela deterioração dos espaços públicos, do centro histórico, das condições de vida na
metrópole. Com isso a urbanização se revela como um fenômeno, que produz, ao mesmo tempo,
integração/desintegração/deterioração dos espaços e dos indivíduos, o que vai revelar a relação
entre uso e troca e que as contradições se revelam plenamente no plano do vivido, da prática sócioespacial
– é o nível do cotidiano que ilumina concretamente modo como as justaposições dos planos
se realiza, orientando e determinando a vida.
O que então fica latente é o conflito entre o uso e a troca, entre uma produção coletiva do espaço e
sua apropriação privada. Diante das condições de reprodução capitalista nas quais nos encontramos
a apropriação privada e o consumo produtivo aparecem como fundamento da valorização capitalista
do espaço, apontando a segregação urbana não só como produto deste processo, mas também
como condição e fundamento, reforçando uma divisão sócio-espacial na metrópole cujo conteúdo é a
separação. O processo de construção e consolidação da nova centralidade de negócios de São
Paulo ao mesmo tempo motor e reflexo de dinamismo é fator de diferenciação e segregação. O
processo em si, ou seja, no plano do processo produtivo e nas mudanças que aí engendra é
segregador, entretanto é ainda mais intenso/tenso ao voltarmos nossas reflexões para a reprodução
das práticas socioespaciais. A superação das análises que apenas medem a segregação por meio de
índices é necessária, pois esta é mais uma questão da cultura e das práticas urbanas.
O sentido desta pesquisa, além do que já foi exposto anteriormente, é também apontar criticamente
um processo que sabemos que aumenta as diferenças, que são na realidade desigualdades e cisões
presentes no processo de produção capitalista do espaço. É mostrar que neste processo há uma
parcela da população que fica desamparada e sofre diversos constrangimentos em suas vidas, pois
aprofunda a existência de uma desigualdade de renda e uma desigualdade de poder. A produção do
espaço neste fragmento da metrópole revela a força política de uma classe economicamente
capitalizada que ao se unir ao Estado mantêm seus interesses, que vão garantir sua reprodução
enquanto tal. Através de um estudo sobre a produção do espaço urbano e a relação capital financeiro
e setor imobiliário em um fragmento da metrópole de São Paulo, podemos afirmar que por dentro do
modo de produção capitalista não há possibilidade de transformação social possível, pois a produção
capitalista da cidade está atrelada ao processo de valorização do valor e existência da propriedade
privada da terra. É a partir deste momento que se coloca como necessidade a idéia de um projeto de
transformação da sociedade, que é urbana, numa articulação entre o possível e o impossível.
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