Um convite à nudez dos mistérios e irracionalidade da propriedade privada da terra.

Carlos Alberto Feliciano

 

Resenha do livro: OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. Modo de Produção Capitalista, Agricultura e Reforma Agrária. São Paulo: Labur Edições, 2007, 184 p.
 

Quem tem medo do campesinato? Como ocorreram as transformações na agricultura sob ótica do capitalismo concorrencial e monopolista? Qual a irracionalidade da propriedade privada da terra que impede o Brasil de realizar a reforma Agrária? Mas Revolução ou Reforma Agrária? É de fato necessária? Que exemplo pode nos orientar? Mas por que reformar se a concentração de terra continua existindo? A obra Modo Capitalista de Produção, Agricultura e Reforma Agrária, revela vários rastros desse caminho contraditório no qual centenas de milhares de camponeses no mundo, trilham há séculos.
Como o próprio autor expõe em sua apresentação, esse é um livro em transformação. Ariovaldo Umbelino de Oliveira, Professor Titular em Geografia pela Universidade de São Paulo faz uma composição nessa obra, de outros textos de sua autoria, alguns já publicados e atualizados e outros ainda inéditos.
Iniciando com uma crítica à exploração capitalista do mercado editoral, Ariovaldo rompe as cercas impostas pelas editoras comerciais e universitárias, publicando-o na integra pela Labur Edições, disponibilizado na página www.fflch.usp.br/dg/gesp .
Tendo como linha de pensamento as contradições do modo capitalista de produção na agricultura, a obra deixa clara a existência, permanência e o crescimento incômodo, de um lado da concentração de terra e por outro, da reprodução de relações não capitalistas de produção. Para isso, Ariovaldo Umbelino apresenta o livro dividido em 9 capítulos, que vão desde as abordagens teóricas da agricultura, onde discute as diferentes interpretações acadêmicas/políticas sobre o desenvolvimento do capitalismo no campo; passando pela renda, concentração da terra e os tipos de reforma agrária desenvolvidos pelo mundo afora.
Entre as novidades apresentadas destaca-se o capítulo sobre a concentração de terra e a reforma agrária. Entendendo que a propriedade privada e a concentração das terras no capitalismo são mecanismos de produção do capital, Ariovaldo discute e contextualiza os processos da luta pela reforma agrária, marcada por revoltas e até mesmo revoluções camponesas reivindicando ações governamentais no sentido de alterar a estrutura agrária em determinadas regiões e/ou países.
Nas palavras do próprio autor “ para a implantação da reforma agrária há necessidade de duas políticas fundamentais: a política fundiária e a política agrícola.” Justamente, partindo desse pressuposto realiza uma célere análise, porém bem interessante e instigante sobre a diferenciação entre revolução e reforma agrária.
As revoluções agrárias sob seu ponto de vista são as materializações das lutas, onde o movimento camponês reveste-se de um questionamento amplo e radical de intensa transformação da sociedade que acaba conquistando parcelas do território capitalista. Esses momentos revolucionários foram divididos pelo autor em três grupos: as revoluções agrárias que ocorreram na transição do feudalismo para o capitalismo, sobretudo na Europa; as revoluções agrárias que ocorreram no bojo das revoluções socialistas; e a revolução mexicana e a guerra civil dos Estados Unidos.
O livro Modo de produção capitalista, agricultura e reforma agrária, nos contempla com uma bela análise recente sobre as lutas pela reforma agrária no mundo, acreditando que tais movimentos fazem parte da construção de um movimento camponês moderno mundial. Uma luta contra a destruição de uma lógica que excluí a maioria da humanidade dos direitos básicos de sobrevivência e da distribuição da riqueza do mundo.
Um exemplo interessante dessa contenda está no enfrentamento do movimento camponês em Zimbábue, que também na forma de ocupações de terras vêm questionando uma brutal desigualdade social, amparada na fome e na concentração de terras. Como um aperitivo aos leitores, a obra relata entre outras, a luta para a implantação de uma reforma agrária no país. Um governo que inicialmente alegando restrições financeiras, não distribuiu a quantidade de terras prometidas aos camponeses. Resultado dessa contra-reforma? O desnudamento de uma contradição histórica da sociedade zimbabuana, herdada de seu passado colonial e racista: 75% das terras agricultáveis e com chuvas regulares, sob o controle de apenas 4.500 famílias brancas; enquanto mais de 7 milhões de camponeses negros ocupam o restante.
As ocupações de terras foram inevitáveis e estratégicas para sobrevivência da população. Enquanto o acordo do governo de Zimbábue com o Fundo Monetário Internacional, em 1991, acirrava ainda mais essa desigualdade - disfarçada no discurso afável de privatizar empresas estatais do país para atrair investimento estrangeiros – com o tempo sua ineficácia tornou-se evidente. Ariovaldo relata que compreendendo o chamamento da população e as contradições derivadas por tal acordo, o presidente de Zimbábue, Robert Mugabe, em julho de 2000 iniciou uma reforma agrária compulsória, denominada Reforma Agrária e Plano de Implementação de Reassentamentos. Aguçando a curiosidade, vale pena ler sobre os desdobramentos de uma ação política que têm o objetivo de confiscar as terras de mais de 4 mil fazendeiros brancos, dotando economicamente a maioria da população negra do país.
Já do outro lado do Atlântico, o autor também faz várias denúncias. Não se trata apenas do não cumprimento da distribuição de terras prometidas aos camponeses, mas, sobretudo da farsa construída pelo governo brasileiro, “em divulgar números duplicados, considerando como novos assentamentos, famílias que tiveram suas posses regularizadas, ou que tiveram seus direitos nos assentamentos antigos reconhecidos, ou foram reassentadas em virtude de construções de barragens”. Resultado apresentado: governo Lula divulga que em 2006 assentou mais de 136 mil famílias em novos assentamentos, porém dados divulgados no livro revelam: apenas 45.779 famílias de fato foram assentadas em novos projetos de assentamentos rurais. O restante é uma farsa!
Por que então não se realiza a reforma agrária mesmo num governo de origem ligada a classe trabalhadora? Algumas pistas o autor “grita”, de forma destacada e grifada no texto: “ a política do Governo LULA está marcada por dois princípios: não fazê-la nas áreas de domínio do agronegócio e fazê-la nas áreas onde ela possa “ajudar” o agronegócio”.
Mas o que isso quer dizer de fato?
Vejamos: até hoje não foi regovada a portaria que criminaliza as ocupações de terras, impedido de realizar vistorias em fazendas ocupadas e também de beneficiários que participem da tal ação; que a portaria com novos índices de produtividade não foi assinada; que mais de 240 mil famílias continuam acampadas em baixo de lonas pretas; que a grilagem em terras devolutas e públicas aparecerão em novos escândalos; que o MDA/INCRA não irá desapropriar grandes imóveis rurais improdutivos, para não abalar os projetos do agronegócio; mas sobretudo, e contraditoriamente, a presença marcante de das pequenas unidades de produção camponesas que representam apenas 20% da área ocupada no Brasil, mas é responsável por mais de 46% da produção agropecuária e 43% da renda gerada no campo.
Em suma, a obra de Ariovaldo Umbelino de Oliveira, Modo capitalista de produção, agricultura e reforma agrária, é uma leitura necessária para entender os mistérios e as lógicas da (ir)racionalidade da propriedade privada no Brasil. Uma leitura agradável, estimulante e provocadora sobre a questão agrária no Brasil e no mundo.
Em tempo, há vários ensinamentos para se extrair dessa leitura. Destaca-se um dos principais, nas palavras do próprio autor: “Vive-se no Brasil cotidianamente, a rebeldia dos camponeses no campo e na cidade. Na cidade e no campo eles estão construindo um verdadeiro levante civil para buscar os direitos que lhes são insistentemente negados. São pacientes, não têm pressa, nunca tiveram nada, portanto, aprenderam que só a luta garantirá no futuro, a utopia curtida no passado.”


*Carlos Alberto Feliciano – Doutorando em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo e Ouvidor da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo.